segunda-feira, 26 de abril de 2010

A CRUZ DE GIZ

Eu sou uma criada. Eu tive um romance
Com um homem que era da SA.
Um dia, antes de ir
Ele mostrou-me, sorrindo, como fazem
Para apanhar os insatisfeitos.
Com um giz tirado do bolso do casaco
Ele fez uma pequena cruz na palma da mão.
Ele contou que assim, e vestido à paisana
anda pelas repartições do trabalho
Onde os empregados fazem fila e protestam
E protesta juntamente com eles, e fazendo isso
Em sinal de aprovação e solidariedade
Dá uma palmadinha nas costas do homem que protesta
E este, marcado com a cruz branca
é apanhado pela SA.
Nós rimos com isso.
Andei com ele um ano, então descobri
Que ele havia retirado dinheiro
Da minha caderneta de poupanças.
Havia dito que a guardaria para mim
Pois os tempos eram incertos.
Quando lhe pedi satisfações, ele jurou
Que as suas intenções eram honestas.
Dizendo isso
Pôs a mão no meu ombro para me acalmar.
Eu corri, aterrorizada.
Em casa
Olhei para as minhas costas no espelho, para ver
Se não havia uma cruz branca.

Bertold Brecht

4 comentários:

adalberto monteiro disse...

Cláudia,
visito teu blog como quem num retiro de férias se hospeda numa adega.
Sorvendo um cálice de um tenro tinto com o cotovelo apoiado num tonel de carvalho te mando aos teus e aos nossos, um outro poema do vate alemão.

Com afeto,
adalberto

Bertolt Brecht: Hino a Deus
*
1

No fundo dos vales escuros morrem os famintos.
Mas você lhes mostra o pão e os deixa morrer.
Mas você reina eterno e invisível
Radiante e cruel, sobre o plano infinito.



2

Deixou os jovens morrerem, e os que fruíam a vida
Mas os que desejam morrer, não permitiu...
Muitos daqueles que agora apodreceram
Acreditavam em você, e morreram confiantes.



3

Deixou os pobres pobres, anos após ano
Porque o desejo deles era mais belo que o seu céu
Infelizmente morreram antes que chegasse com a luz
Morreram bem-aventurados, no entanto – e
apodreceram imediatamente.



4

Muitos dizem que você não existe e que é melhor assim.
Mas como pode não existir o que pode assim enganar?
Se tanto vivem de você, e de outro modo não poderiam
morrer –
Diga-me, que importância pode ter então que você
não exista?




Brecht Poemas 1913 – 1956
Seleção e Tradução de Paulo César Souza
3ª edição – Editora Brasiliense

cláudia pinho disse...

Parece-me um óptimo cenário que visualizo muito bem. O meu avô era produtor de vinho. A adega iluminada por um pequeno janeloco junto ao tecto emanava um odor de vinho e de terra. Um belíssimo retiro, sim senhor.
Obrigado pela visita e pelo poema muito bem recebido aqui neste ciber espaço.

Joaquim Soares disse...

Parabéns Cláudia, é a aqui k as novas tecnologias ganham realmente valor, já me tinhas falado do blog, mas nunca tinha visitado e hoje numa incur_net eis k me deparo com martini e poesia. Muito sentido e bom gosto! Uma descoberta mt prazenteira! Fiquei seguidor. Bjinhos do pessoal do fura.

cláudia pinho disse...

Agora que descobriste este escaninho podes sempre pegar num copo de martini, já que é coisa que não te falta, e entrar. Daqui a nada faço uma visita. Vais elucidar-me acerca das novidades da música, ou melhor, das novidades que só tu conheces e mais ninguém ouviu falar! eheh Dás-me música e eu dou-te poesia, vale?
Beijinhos! Boa surpresa.