segunda-feira, 25 de maio de 2009

CORAÇÃO COURAÇA

Porque te tenho e não
porque te penso
porque a noite está de olhos abertos
porque a noite passa e digo amor
porque vieste a recolher a tua imagem
porque és melhor do que todas as tuas imagens
porque és linda desde o pé até à alma
porque és boa desde a alma a mim
porque te escondes doce no orgulho
pequena e doce
coração couraça
porque és minha
porque não és minha
porque te olho e morro
e pior que morro
se não te olho amor
se não te olho
porque tu sempre existes onde quer que seja
porém existes melhor onde te quero
porque a tua boca é sangue
e tens frio
tenho que te amar amor
tenho que te amar
ainda que esta ferida doa como dois
ainda que busque e não te encontre
e ainda que
a noite pese e eu te tenha
e não.

Mario Benedetti - nasceu em 1920 em Tacuarembó, Uruguai. Em 1960, com a publicação de La tregua, alcança reconhecimento internacional, com mais de uma centena de edições traduzidas em 19 idiomas e levada ao cinema, ao teatro, ao rádio e à televisão. Em 1973 teve que abandonar o seu país por razões políticas; viveu na Argentina, em Cuba, no Peru e em Espanha.
Mario Benedetti faleceu aos 88 anos em Montevideo, no dia 17 de Maio de 2009.

(Tradução de Maria Teresa Almeida Pina)

sexta-feira, 8 de maio de 2009

ESPLANADA

Naquele tempo falavas muito de perfeição,
da prosa dos versos irregulares
onde cantam os sentimentos irregulares.
Envelhecemos todos, tu, eu e a discussão,

agora lês saramagos e coisas assim
e eu já não fico a ouvir-te como antigamente
olhando as tuas pernas que subiam lentamente
até um sítio escuro dentro de mim.

O café agora é um banco, tu professora de liceu;
Bob Dylan encheu-se de dinheiro, o Che morreu.
Agora as tuas pernas são coisas úteis, andantes,
e não caminhos por andar como dantes.

Manuel António Pina