domingo, 25 de janeiro de 2009

A MINHA UNIVERSIDADE

Conheceis o francês
sabeis dividir,
multiplicar,
declinar com perfeição.
Pois, declinai!
Mas sabeis por acaso
cantar em dueto com os edifícios?
Entendeis por acaso
a linguagem dos autocarros?
O pintainho humano
mal abandona a casca
atraca-se aos livros
e às resmas de cadernos.
Eu aprendi o alfabeto nos letreiros
folheando páginas de estanho e ferro.
Os professores invadem a terra
e descarnam-na
e descascam-na
para afinal ensinar: "Toda ela não passa dum globinho!"
Eu com as linhas costeiras aprendi geografia.
Os historiadores levantam
a angustiante questão:
- Era ou não roxa a barba de Barba Roxa?
Que me importa!
Não costumo remexer o pó dessas velharias!
Mas das ruas de Moscou
conheço todas as histórias.
Uma vez instruídos,
há os que se propõem a agradar às damas,
fazendo soar no crânio as suas poucas ideias,
como pobres moedas numa caixa de pau.
Eu, somente com os edifícios, conversava.
Somente os canos de água me respondiam.
Os tectos como orelhas a espichar
as suas lucarnas atentas
aguardavam as palavras
que eu lhes deitaria.
Depois
noite a dentro
uns com os outros
palravam
girando as suas línguas de catavento.

Vladimir Maiakóvski

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

OS ANJOS CELESTIAIS

Ninguém compreendeu o segredo noturno das ardósias
nem porque a esfera armilar se exaltava tão só quando a olhávamos.
Só sabíamos que uma circunferência pode não ser redonda
e que um eclipse da lua confunde as flores
e adianta o relógio dos pássaros.
Ninguém compreendia nada:
nem porque os nossos dedos eram de tinta-da-china
e a tarde fechava compassos para a madrugada abrir livros.
Só sabiamos que uma recta, se quiser, pode ser curva ou dobrada
e que as estrelas errantes são meninos que ignoram a aritmética.

Rafael Alberti