domingo, 20 de junho de 2010

VIAGEM

Quem sabe, quem sabe,
ah, quem sabe
se fui eu que fugi
ou se me abandonaram
à beira de qualquer estrada.
Que terras meus olhos desbravaram,
que mundos vi,
para ser esta saudade de tudo,
uma dor de tudo,
de tudo morrer e renascer em mim!
Em que porto estes músculos
suaram à sombra de guindastes,
que terra áspera e quente a minha enxada rasgou,
de que barco fui piloto
e de que pátria emigrante
para sentir as dores que estão fora de mim?
Quem me deu alma de cigano
e me lançou ao vento
à espera de festim?

Homens da terra e do mar,
duros, de dentes vidrados,
gritando o futuro
e sempre crescendo;
- quem me pôs à frente da guerra,
ébrio de uma luta
que não aprendo?
Homens de longe, estranhos,
esmagando as larvas do celeiro;
- onde vos animei
embora com a pobreza das palavras?
Em que pátria fui vosso companheiro?

Ah, quem sabe
porque esta minha voz enrouqueceu,
esta minha voz que provou o amargo das escarpas
- e gostou!
Quem sabe se um encanto me fez nómada,
nu, faminto e descalço como os mais
ou se todas as almas
esta minha alma penada violou?

Fernando Namora
(foto retirada do blog A Terceira Noite)

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