sexta-feira, 8 de maio de 2009

ESPLANADA

Naquele tempo falavas muito de perfeição,
da prosa dos versos irregulares
onde cantam os sentimentos irregulares.
Envelhecemos todos, tu, eu e a discussão,

agora lês saramagos e coisas assim
e eu já não fico a ouvir-te como antigamente
olhando as tuas pernas que subiam lentamente
até um sítio escuro dentro de mim.

O café agora é um banco, tu professora de liceu;
Bob Dylan encheu-se de dinheiro, o Che morreu.
Agora as tuas pernas são coisas úteis, andantes,
e não caminhos por andar como dantes.

Manuel António Pina

2 comentários:

princesa... disse...

É caso para se dizer, neste caso escrever, o tempo não perdoa e não para! e ainda bem! sinal de que nós também estamos em perpétuo movimento, nem que seja a envelhecer.
O tempo é de todos e passa por todos, mesmo que não se queira...

cláudia pinho disse...

É curioso ver as marcas que deixa o tempo, a capacidade de transformar. É uma pena que umas lindas e inspiradoras pernas sejam sujeitas à despromoção de coisas andantes, como dois sóis que passaram a servir apenas para fazer as horas laborarem.
Será que o tempo altera necessáriamente a visão? Miopia ou hipermetropia?