segunda-feira, 9 de março de 2009

JUNTO À ÁGUA

Os homens temem as longas viagens,
os ladrões da estrada, as hospedarias,
e temem morrer em frios leitos
e ter sepultura em terra estranha.
Por isso os seus passos os levam
de regresso a casa, às veredas da infância,
ao velho portão em ruínas, à poeira
das primeiras, das únicas lágrimas.

Quantas vezes em
desolados quartos de hotel
esperei em vão que me batesses à porta,
voz de infância, que o teu silêncio me chamasse!

E perdi-vos para sempre entre prédios altos,
sonhos de beleza, e em ruas intermináveis,
e no meio das multidões dos aeroportos.
Agora só quero dormir um sono sem olhos

e sem escuridão, sob um telhado por fim.
À minha volta estilhaça-se
o meu rosto em infinitos espelhos
e desmoronam-se os meus retratos nas molduras.

Só quero um sítio onde pousar a cabeça.
Anoitece em todas as cidades do mundo,
acenderam-se as luzes de corredores sonâmbulos
onde o meu coração, falando, vagueia.

Manuel António Pina, 1943, de "Um Sítio Onde Poisar a Cabeça"

7 comentários:

Anónimo disse...

Olá, Claudia!
Só para te dar um beijinho e um abracinho! :)

cláudia pinho disse...

E para ti, menininha arisca, juizinho nessa cabecinha cheia de caracolinhos...

Anónimo disse...

Quantos de nós, e quantas vezes nós, não gostaríamos de poder descansar a cabeça, desta longa viagem no colo da nossa Infância?

cláudia pinho disse...

Descansar a cabeça no colo da nossa infância... desde que não seja pelo temor do dia de amanhã. O medo inibe e deturpa. Por vezes quando descansamos a cabeça no tavesseiro, no murmurio da noite, recebemos maus conselhos... nem sempre noite é boa conselheira. A descansar, que seja profundamente e com certeza de um despertar. Profundamente... e sem fantasmas.

Anónimo disse...

Desculpa lá, mas discordo completamente!!!!! Não existem certezas de nada, e é assim que deve de ser, é assim a ordem das 'coisas'. Não existem certezas de um amanhã, como não existem certezas de um despertar! E ainda bem!!! Não sei o que seria da vida e dos sonhos, se houvesse esse tipo de certezas.

'Descansar a cabeça no colo da nossa infância...'
...para recuperar forças, energias e vontades de continuar a enfrentar e percorrer, a Viagem;
...para recuperar os sonhos muitas vezes perdidos, algures por aí...;
...para descansar deste mundo que conhecemos;
...ou tão simplesmente descancar os olhos de tanta falta de Beleza!

"Vivo com os meus fantasmas, aceito-os e convoco-os." (Luis Sepúlveda), profundamente...

A noite é sempre boa conselheira (é preciso 'ouvir' melhor os seus conselhos).
:)

cláudia pinho disse...

Mantenho! Não, a noite nem sempre é boa conselheira. Conselho do dia:

"Ouça um bom conselho
Que eu lhe dou de graça
Inútil dormir que a dor não passa
Espere sentado
Ou você se cansa
Está provado, quem espera nunca alcança...

Ouça, meu amigo
Deixe esse regaço
Brinque com meu fogo
Venha se queimar
Faça como eu digo
Faça como eu faço
Aja duas vezes antes de pensar..." - Chico Buarque De Holanda

Não vamos esperar que o repouso recupere os sonhos, mas que os desperte! E se os fantasmas existem... ao menos que façam pouco barulho, que nascemos sozinhos e não precisamos nem somos de companhia. Quanto menos carga se levar melhor se faz o caminho.

"Jamais uma peregrina sentiu cansaço para medir reinos com seus passos incertos."

William Shakespeare

Anónimo disse...

Já que hoje é o dia mundial da POESIA!!!
Parabéns ao blog, já que este blog se destina (penso eu!) a divulgar a POESIA, e tudo o que dela deriva!...
E Parabéns, já agora, á 'Bloggeira' que tem feito um bom trabalho!