sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

É TARDE, MUITO TARDE DA NOITE

É tarde, muito tarde da noite,
trabalhei hoje muito, tive de sair, falei com vária gente,
voltei, ouço música, estou terrivelmente cansado.
Exactamente terrivelmente com a sua banalidade
é o que pode dar a medida do meu cansaço.
Como estou cansado. De ter trabalhado muito,
ter feito um grande esforço para depois
interessar-me por outras pessoas
quando estou cansado demais para me interessarem as pessoas.

E é tarde, devia ter-me deitado mais cedo,
há muito que devera estar a dormir.
Mas estou acordado com o meu cansaço e a ouvir música.
Desfeito de cansaço,incapaz de pensar, incapaz de olhar,
totalmente incapaz até de repousar à força de cansaço.
Um cansaço terrível
da vida, das pessoas, de mim, de tudo.
E fumo cigarro após cigarro no desespero
de estar tão cansado. E ouço música
(por sinal a sonata para violino e piano de César Franck,
e depois os Wesendonck Lieder)
num puro cansaço de dissolver-me
como Brunhilda ou como Isoldano que não aceitarei nunca,
l' amor che muove il sole e l' altre stelle.
Nada há de comum entre esse amor de que estou cansado,
e o outro que não ama, apenas queima e passa ,
e de cuja dissolução no espaço e no tempo em que vivo
estou mais cansado ainda. Dissolvam-se essas damas
que eram princesas ou valquírias, se preferem, no eterno.

Eu estou cansado de não me dissolver
continuamente em cada instante da vida,
ou das pessoas, ou de mim, ou de tudo.
Qu' ai-je à faire de l' eternel? I live here.
Non abbiamo confusion. E aqui é que morrerei
danado de cansaço, como hoje estou
tão terrivelmente cansado.

Jorge de Sena

4 comentários:

Anónimo disse...

Lindissimo POEMA!!!
Este poema fez-me lembrar um poema, de Álvaro de Campos:
"O que há em mim é sobretudo cansaço
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.
(...)
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço.
Íssimo, íssimo. íssimo,
Cansaço...

Também me fez lembrar de um outro poema, que li á pouquissimo tempo, e que acho particularmente interessante: "Viver sempre também cansa!" de José Gomes Ferreira
(...)
Pois não era mais humano
morrer por um bocadinho,
de vez em quando,
e recomeçar depois,
achando tudo mais novo?
(...)

Porque realmente á horas/dias que(infelizmente ou felizmente) são simplesmente cansativos, em que mais valia não passar por eles!

cláudia pinho disse...

Fatusha,
"Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu. "

(Mensagem, Fernando Pessoa)

Anónimo disse...

'Se valeu apena?'
Pena é, que nós só achemos que afinal valeu apena ou não, quando vemos com os olhos do tempo, á distância. Porque neste instante, no momento presente, do que se tem realmente a certeza é que existem demasiados cansaços... e que por vezes era bom morrer por um bocadinho e talvez evitar assim, que nos dissolvamos tanto e por tão pouco...

cláudia pinho disse...

É necessário a distancia no tempo para, de facto, se perceber que valeu a pena.
O cansaço é o aqui e o agora. Enquanto seguras a tua cabeça pelo queixo deixas-te caír na languidez das noites, os teus pensamentos vão-se tornando mais brancos, as pálpebras mais moles e sentes o sangue esvaír-se das maças do rosto. O cansaço instalou-se confortavelmente no teu sofá e ficaram longas horas a conversar sobre a invisibilidade das coisas.